É inconstitucional o Estado do Rio de Janeiro cobrar diferencial de alíquotas com base dupla de mercadorias sujeitas ou não ao regime de substituição tributária do ICMS

O Convênio ICMS 52/2017 tratava sobre as normas gerais a serem aplicadas aos regimes de substituição tributária e de antecipação do ICMS com encerramento de tributação, relativos às operações subsequentes, instituídos por convênios ou protocolos firmados entres os Estados e o Distrito Federal. 

A Cláusula décima quarta inciso II do Convênio ICMS 52/2017 determinava que o imposto a recolher por substituição tributária em relação aos bens e mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária destinados a uso, consumo ou ativo imobilizado do adquirente, seria o valor calculado conforme a seguinte fórmula:

 "ICMS ST DIFAL = [(V oper - ICMS origem) / (1 - ALQ interna)] x ALQ interna - (V oper x ALQ interestadual)“

Posteriormente foi concedida medida cautelar na ADI 5866 suspendendo os efeitos da cláusula décima quarta do Convênio ICMS n° 52/2017 que previa a base dupla no cálculo do diferencial de alíquotas.

Cabe ressaltar que ocorreu a prejudicialidade da ADI 5866 por perda do objeto, tendo em vista que o Convênio ICMS n° 142/18 revogou o Convênio ICMS n° 52/2017. Diante do exposto, foi JULGADO EXTINTO o processo sem resolução de mérito.

A partir de 01.01.2019 entrou em vigor o Convênio ICMS n° 142/18 que trata das regras gerais do regime de substituição tributária do ICMS nas operações subsequentes e a cláusula décima segunda deste convênio determina que a base de cálculo da retenção do diferencial de alíquotas devido será o valor da operação interestadual adicionado do diferencial de alíquotas e conforme entendimento da SEFAZ do Estado do Rio de Janeiro houve ratificação tácita deste convênio.

A Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro (Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias) através das respostas as Consultas n. º 061/2019 e nº 065/2019 orienta que de acordo com cláusula décima segunda do convênio ICMS n° 142/18 na entrada de mercadorias destinadas a uso, consumo ou ativo permanente do adquirente contribuinte do ICMS localizado no Estado do Rio de Janeiro, o valor a recolher será calculado mediante aplicação do percentual relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual sobre a respectiva base de cálculo, considerando-se que ICMS é imposto que integra a sua própria base de cálculo, conforme alínea “i” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da CF/88; § 1º do artigo 13 da LC n° 87/96 e artigo 5º da Lei nº 2657/96.

No seu Portal na internet a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro disponibiliza o Manual da Substituição Tributária, o qual esclarece que, em relação aos bens e mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária destinados a uso, consumo ou ativo fixo do adquirente, o imposto a recolher por substituição tributária será o valor calculado conforme a fórmula:

“ICMS ST DIFAL = [(V oper – ICMS origem) / (1 – ALQ interna)] x ALQ interna – (V oper x ALQ interestadual)onde:

a) “ICMS ST DIFAL” é o valor do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna a consumidor final estabelecida na unidade federada de destino para o bem ou a mercadoria e a alíquota interestadual;

b) “V oper” é o valor da operação interestadual, acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros;

c) “ICMS origem” é o valor do imposto correspondente à operação interestadual, destacado no documento fiscal de aquisição;

d) “ALQ interna” é a alíquota interna estabelecida na unidade federada de destino para as operações com o bem e a mercadoria a consumidor final;

e) “ALQ interestadual” é a alíquota estabelecida pelo Senado Federal para a operação.

A Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro traz a mesma fórmula de cálculo prevista na cláusula décima quarta do Convênio ICMS 52/17 que havia sido suspensa pelo STF na  ADI 5866 e entende que matematicamente o uso da fórmula descrita acima proporciona isonomia entre operações internas e interestaduais na venda para consumidor final, de forma a equalizar a incidência do imposto nas distintas operações, tendo em vista a diferente carga tributária entre operações em questão, pois o fornecedor de dentro do Estado no seu preço de venda está incluso a alíquota interna que é maior que a alíquota interestadual que está inclusa no preço de venda do fornecedor localizado na unidade federada de origem.

Além disso no Manual de Substituição Tributária, disponibilizado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro disponibiliza exemplo do cálculo da retenção do DIFAL com base dupla, utilizada a fórmula que não existe na legislação do Estado do Rio de Janeiro, mas apenas neste Manual, conforme a seguir:

O Manual da Substituição Tributária, está disponível no sítio da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro na Internet (Acesso Rápido//Substituição Tributária//Manual de Substituição Tributária).

Situação Hipotética: 

(i) Valor da operação interestadual: R$100,00;

(ii) Alíquota interna no Estado do Rio de Janeiro: 20%, já incluído 2% relativo ao FECP.

A) Valor de aquisição R$ 100,00

B) Imposto devido na operação interestadual (R$100,00 x 12%) R$ 12,00

C) Base de Cálculo do ICMSR ([R$100,00 – R$12,00] ÷ [ 1 – 20% ]) R$ 110,00

D) Imposto devido na operação interna (R$110,00 x 20%) R$ 22,00

E) ICMS sem FECP devido na operação interna (R$110,00 x 18%) R$ 19,80

F) Cálculo do ICMS/ST (R$19,80 – R$12,00) R$ 7,80

G) Cálculo do FECP referente à ST (R$ 110,00 x 2%) R$ 2,20

Assim, neste manual de substituição tributário estabelece de acordo com exemplo acima demonstrado que se tratando de operação interestadual com bens e mercadorias submetidos ao regime de substituição tributária, destinados a uso, consumo ou ativo imobilizado do adquirente, a base de cálculo do imposto devido será o valor da operação interestadual (R$100,00, no exemplo acima) adicionado do imposto. Neste caso, a base de cálculo para determinação do imposto devido por substituição tributária relativo ao diferencial de alíquotas é: R$110,00 = R$100,00 (valor da operação interestadual) + R$10,00 (imposto relativo à diferença entre as alíquotas).

Acontece que a Cláusula décima do Convênio ICMS 142/18 é inconstitucional, tendo em vista que se propõe a dispor sobre as normas gerais do regimes de substituição tributária, e neste caso há clara e manifesta ofensa ao disposto nos os artigos 146, III, “a” e 155, §2º, XII, “b”, da CF/88 conforme se passa a demonstrar.

De acordo com o art. 146, III, “a”, da Constituição cabe lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

No caso do ICMS, a Constituição Federal prevê no art. 155, §2º, inciso XII, alínea ‘b’ que cabe à lei complementar trazer as regras nacionais do imposto estadual, dispondo sobre as regras do regime de substituição tributária. Desta forma, devem os Estados e Distrito Federal instituírem o ICMS, obedecendo às regras da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) que traz o modelo nacional deste imposto.

O art.6°, §1° da Lei Complementar n° 87/96 determina que a responsabilidade pela retenção do ICMS poderá ser atribuída inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. 

Este dispositivo legal está de acordo com o art. 155, §2º, inciso VII da Constituição Federal que traz a obrigação apenas do recolhimento do diferencial de alíquotas em favor da unidade federada de destino e somente há diferencial de alíquotas se for utilizada a mesma base de cálculo que o fornecedor utilizou para calcular o ICMS para o Estado de origem.

Na realidade o objetivo art. 155, §2º, inciso VII da Constituição Federal, que prevê a cobrança da diferença de alíquotas de ICMS, foi o de equilibrar a distribuição de receitas entre os entes federativos de forma a evitar que só os estados de origem arrecadassem.

Nas operações interestaduais alcançadas pelo regime de substituição tributária, que destinem mercadorias a contribuinte usuário final, a responsabilidade do remetente, na condição de contribuinte substituto, consistirá apenas no cálculo, retenção e recolhimento do imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, se assim exigido nos respectivos Convênios ou Protocolos regulamentares.

E para haver apenas o recolhimento do Diferencial de alíquotas tem que ser utilizado o mesmo valor que o contribuinte no Estado de origem utilizou para recolher o seu próprio ICMS com a alíquota interestadual, e neste valor da saída interestadual se embute o ICMS interestadual, sendo o imposto devido pelo remetente.

O Estado do Rio de Janeiro até dezembro de 2018 no regime de substituição tributária aplicável à diferença entre a alíquota interna e a interestadual quando da entrada destinada ao ativo permanente ou uso ou consumo do estabelecimento destinatário exigia a utilização da base única na forma do art. 2.º, § 5.º do Livro II do RICMS-RJ/00, a qual correspondia ao preço efetivamente praticado na operação, incluídos, quando for o caso, os valores de frete, seguro, impostos e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ou seja, o mesmo valor da “operação interestadual” utilizada pelo fornecedor da mercadoria para cálculo do seu próprio ICMS.

Com o novo entendimento da Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro (Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias) através das respostas as Consultas n. º 061/2019 e nº 065/2019 em que  no cálculo do DIFAL, deve considerar que este integre a sua base de cálculo de acordo com a cláusula décima segunda do convênio ICMS 142/18 faz com que a base de cálculo não espelhe o “valor da operação” interestadual, ou seja, o valor de venda praticado pelo fornecedor da mercadoria localizado no Estado de origem em que neste valor já está incluído o ICMS “por dentro” na operação de origem. A consequência é que o DIFAL incida sobre um montante superior ao valor real da operação de venda praticada pelo fornecedor da mercadoria, ocasionando majoração na base de cálculo e, consequentemente, em outro imposto a pagar que não resulta no DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS, pois não foi utilizada a mesma base de cálculo do fornecedor da mercadoria. 

A novidade é que Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro (Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias) através da resposta a Consulta n. º 071/2020 aplica o mesmo entendimento de base de cálculo dupla na aquisição de material de uso e consumo ou ativo imobilizado não sujeito ao regime de substituição tributária do ICMS quando adquirido de outra unidade da Federação por contribuinte do ICMS localizado neste Estado. Além disso, esclarece que neste caso, a responsabilidade pelo recolhimento do DIFAL, nas operações interestaduais de aquisição de mercadorias não sujeitas ao regime de substituição tributária, destinadas a uso, consumo ou ativo permanente, é do adquirente fluminense, conforme previsão do inciso VII do parágrafo 2º do artigo 155 CF/88. No cálculo do DIFAL, o adquirente deve considerar que este integre a sua base de cálculo.

Este é um entendimento equivocado da Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro (Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias) na resposta a Consulta n. º 071/2020, pois sempre foi entendimento deste órgão conforme resposta a Consulta n. º 18/2019 a utilização da base de cálculo única conforme a seguir demonstrado:

“Inicialmente, imprescindível salientar que o fato gerador do diferencial de alíquotas ocorre nas seguintes operações INTERESTADUAIS: 

1 – entrada no estabelecimento do CONTRIBUINTE de mercadoria ou bem destinado ao ativo fixo ou ao uso e consumo do estabelecimento e aquisição de serviço sujeito ao ICMS na condição de consumidor final; 

É notório que o caso em epígrafe encontra-se abarcado pelo item 1. Ou seja, o diferencial de alíquotas previsto no artigo 3º, inciso VI, da Lei nº 2.657/96 é aplicável na aquisição interestadual, por CONTRIBUINTE, de bem para o ativo fixo ou de mercadoria destinada ao uso ou consumo do estabelecimento. 

O imposto a pagar resulta da aplicação da diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual SOBRE O VALOR DA OPERAÇÃO DE QUE DECORRER A ENTRADA DA MERCADORIA, conforme VI do art. 4.º da mesma lei. “

Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro (Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias), Resposta a Consulta n. º 18/2019.

O VI do art. 4.º da Lei 2.657/96 que trata sobre a base de cálculo do diferencial de alíquotas quando a mercadoria não está sujeita ao regime de substituição tributária do ICMS está em pleno vigor e trata da base única, a mesma regra consta quando a mercadoria está sujeita ao  regime de substituição tributária aplicável à diferença entre a alíquota interna e a interestadual quando da entrada destinada ao ativo permanente ou ao uso ou consumo do estabelecimento destinatário exige a utilização da base única na forma do art. 2.º, § 5.º do Livro II do RICMS-RJ/00, a qual correspondia ao preço efetivamente praticado na operação, incluídos, quando for o caso, os valores de frete, seguro, impostos e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ou seja, o mesmo valor da “operação interestadual” utilizada pelo fornecedor da mercadoria para cálculo do seu próprio ICMS.

Desse modo, a Superintendência de Tributação da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro está trazendo entendimento baseado na cláusula décima segunda do Convênio ICMS 142/18 que é inconstitucional, resultando no cálculo do diferencial de alíquotas com base dupla com a utilização de uma fórmula que não existe na legislação deste Estado, desconsiderando a base de cálculo única prevista no inciso VI do art. 4.º da Lei 2.657/96 e no art. 2.º, § 5.º do Livro II do RICMS-RJ/00, ofendendo o princípio da legalidade, que no o art. 150, inciso I, da CF/88, dispõe que é proibido aos entes federados “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. 

É inconstitucional a cobrança de diferencial de alíquota do ICMS com base dupla estabelecida apenas por ato administrativo, pois não existe na Lei 2.657/96 que dispõe sobre o ICMS no Estado do Rio de Janeiro, artigo que traga a fórmula de cálculo constante no Manual de Substituição Tributária, disponibilizado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Mas nem poderia ter, haja vista que o art. 155, §2º, inciso VII da Constituição Federal traz a obrigação apenas do recolhimento do diferencial de alíquotas em favor da unidade federada de destino.

Por fim, os contribuintes do ICMS localizados no Estado do Rio de Janeiro que tomarem a decisão de continuar a observar o cálculo do diferencial de alíquotas com “base de cálculo única” de acordo com o inciso VI do art. 4.º da Lei 2.657/96 e art. 2.º, § 5.º do Livro II do RICMS-RJ/00 devem resguardar os seus direitos através de escritório de advocacia de sua confiança quando o fisco deste Estado cobrar indevidamente o recolhimento do DIFAL com “base dupla”.

Ana Cristina Martins Pereira. A autora é advogada tributarista, especializada em defesa de autos de infração de ICMS, Pós-Graduada em Direito Tributário pela ESA – Escola Superior de Advocacia. Consultora jurídico/tributária. Sócia fundadora da MG Treinamentos. Ministrou cursos de ICMS na Escola fazendária do Estado do Rio de Janeiro. Palestrante do CRC-RJ e SESCON-RJ. Autora dos Livros: Regulamento do ICMS/RJ Anotado e Regulamento do ISS do Município do Rio de Janeiro Anotado e Desenvolvedora de conteúdos para o departamento fiscal das empresas.

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