Tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral reafirma a jurisprudência da Corte e declara a não incidência do ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados distintos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão virtual realizada no dia 15.08.2020, reafirmou a jurisprudência da Corte e declarou a não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados distintos. 

Em votação majoritária, os ministros deram provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1255885, com repercussão geral reconhecida (Tema 1099), e confirmaram o entendimento de que o tributo apenas incide nos casos em que a circulação de mercadoria configurar ato mercantil ou transferência da titularidade do bem.

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.

No caso concreto, a proprietária de uma fazenda em Mato Grosso do Sul teve negado mandado de segurança por meio do qual buscava impedir a cobrança de ICMS em todas as operações de transferência interestadual de parte de seu rebanho de bovinos até outra fazenda de sua propriedade, localizada em São Paulo (SP). 

A empresária apelou ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), que não admitiu o recurso, ao argumento de que, conforme previsão do Código Tributário estadual e do artigo 12 da Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir), o momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro do mesmo proprietário, constitui fato gerador do ICMS.

No recurso extraordinário, a empresária sustentava que a incidência de ICMS, de acordo com a Constituição Federal, se limita aos atos de mercancia, caracterizados pela circulação jurídica do bem em que há transferência de propriedade e que o transporte de sua mercadoria não se enquadra nessa hipótese. Alegava, ainda, que a decisão do tribunal estadual ofende a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a jurisprudência do STF acerca da matéria.

O STJ editou o seguinte enunciado sumular de nº 166: Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte

A jurisprudência do STF sempre foi no sentido de que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de propriedade do mesmo contribuinte não configura circulação de mercadoria, descaracterizando-se o fato gerador de ICMS. Nesse aspecto, mostra-se irrelevante que a origem e o destino estejam em jurisdições territoriais distintas. Cito os seguintes julgados do STF: RE nº 1.039.439/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 7/2/18; ARE nº 1.063.312/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe de 19/12/17; ARE nº 676.035/PB-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 31/8/17; ARE nº 764.196/MG-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 7/6/16; ARE nº 756.636/RS-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 30/5/14; RE nº 422.051/MG-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 25/6/10; RE nº 267.599/MG-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 11/12/09.

De acordo com o entendimento do STF a Constituição Federal ao empregar a expressão “operação” no art. 155, inciso II, concebeu-a como o movimento de mercadorias relativo à titularidade dos negócios jurídicos que resulte da transferência da titularidade do bem.

Desta forma, o STF reafirmou a jurisprudência da Corte, conforme julgados citados acima.

Apesar da tese de repercussão geral tratar da não incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa localizados em estados distintos, entendo que poderá ser utilizado os mesmos argumentos nas transferências internas, pois também neste caso não há transferência da titularidade do bem, sendo apenas uma mera circulação física de mercadoria.

Caso algum Estado não observe a tese de repercussão geral, tema 1099 fixada pelo STF, o contribuinte poderá resguardar o seu direito no judiciário.

A Superintendência de Tributação do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em respostas as consultas realizadas pelos contribuintes dos ICMS sobre aplicar tese de repercussão geral fixada pelo STF, entende que o instituto da repercussão geral, não possui efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Executivo, ao passo que somente possuem este efeito a súmula vinculante, as ações diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade, nos termos do disposto no § 2o do artigo 102 e no artigo 103- A, ambos da Constituição Federal de 1988. E informa, ainda, que somente aplica tese de repercussão geral fixada pelo STF quando for editada norma específica no Estado do Rio de Janeiro para tratar a que alude a referida decisão judicial.

Ana Cristina Martins Pereira. A autora é advogada tributarista, especializada em defesa de autos de infração de ICMS, Pós-Graduada em Direito Tributário pela ESA – Escola Superior de Advocacia. Consultora jurídico/tributária. Sócia fundadora da MG Treinamentos. Professora da Escola fazendária do Estado do Rio de Janeiro. Palestrante do CRC-RJ e SESCON-RJ. Autora dos Livros: Regulamento do ICMS/RJ Anotado e Regulamento do ISS do Município do Rio de Janeiro Anotado e Desenvolvedora de conteúdos para o departamento fiscal das empresas.

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